Ultimamente, aqui no estrangeiro,
dá muita vergonha ser brasileiro,
vergonha de ser, não, vergonha
de dizer que sou brasileiro.
Sou brasileiro, digo, e a primeira
reação, embaraçosa, desagradável,
me deixa quase sem fala.
Que tal esse presidente atual
Bolsonaro edicetra e tal fascista
trumpista truculento boçal.
Que se sente ao ver a reação de ódio
que vomitam nas redes sociais e nas ruas
tantos milhões de compatriotas que antes
aclamavam a Lula e agora o renegam.
Sem querer entrar em picantes detalhes
sobre comos e porquês falo de milhões
de analfabetos entre os quais se contam
universitários e gentes de todas as classes.
O Brasil é assim, grande demais para conter
todos os tipos da melhor espécie e também
da pior, como em qualquer outro país do novo
e do velho mundo… quer um exemplo?
A gente me olha ressabiada e resmunga
uma desculpa esfarrapada, é, tem razão,
mas um país tão lindo tão rico com gente
tão maravilhosa e tanta música poesia cultura…
como se explica essa barbaridade
chamada Bolsonaro?
Sigo meu caminho taciturno e quedo.
Que vergonha dizer que sou brasileiro.
Qué triste se ha vuelto el mundo! Rosalía de Castro
{a palavra é a lâmina a escopeta a mina
e cada verso um gesto de autodefesa
frente aos golpes baixos da vida}
PAI, que será de mim neste mundo sem o doce peso dessa mão suada
sulcada de rugas e veredas em que tudo se perdeu ou por fim se há de perder
PAI, onde estás, onde foste ocultar-te dos meus olhos
Olhar assim da janela fere de morte a frágil pupila de qualquer criança, sei que é de manhã aí está o sol o céu e todo esse falso clarão, sei que assim é
e é natural, mas o que vejo e sonho é sombra e cerração —
PAI, diz que é mentira ilusão de óptica miragem viagem de volta ao encontro de duas vidas desencontradas… diz que não, diz que sim, vem, quero tua mão antiga, firme e não essa ausência sempre…
Ah, eternidade… presença sempre do que foi e sempre será: princípio e fim, luz e força, suor e sangue, risos e lágrimas, amor e obras, coração na mão feito presença mesmo quando ausente no tempo…
e muitas vezes, muitas, dias, meses, anos (já são tantos!) nas aleatórias e peculiares circunstâncias de nossas vidas, no pouco espaço de tempo em que nos foi dado viver.
¡Qué tierno como el rocío! Pero ya duerme sin fin. No te conoce tu recuerdo mudo porque te has muerto para siempre como todos los muertos de la Tierra. Federico García Lorca Llanto por Ignacio Sánchez Mejíasi
…so leben wir und nehmen immer Abschied. Und das Totsein ist mühsam und voller Nachholn, dass man allmählich ein wenig Ewigkeit spürt. Rainer Maria Rilke Duineser Elegienii
♦ ♥ ♦
Carlinho, irmão do coração e de toda a vida infância condividida mocidade compartida e tantos anos de incerto vaivém pelo mundo
por que essa pressa em livrar-se do tempo para enfrentar-se aos obscuros caminhos da eternidade?
Não me venham dizer que já não podemos nunca mais levar aquela prosa de mineiro se rindo das coisas que só nós entendíamos.
Setenta e cinco não é idade pra dizer adeus a ninguém, o mesmo teria dito ao nosso pai, estivesse a seu lado quando se foi.
Que coisa tão estranha não estar mais entre os vivos, justo quem tanto apego tinha à vida com seus risos e mágoas.
Na lista de nossos mortos mais queridos tocou-lhe o número dez e o que mais dói é essa verdade pura e dura…
prematura como a de nosso pai que até hoje parece impossível vida e morte “a canto aiêio”.
Na estela de antigos passos pelos morros e veredas do nosso velho caxambu fica a lembrança eterna de um garoto
da pá virada do riso fácil e da infinita bondade de um coração que nunca soube dizer não.
Foi isso que te cansou e apressou a tua última viagem? Ou foi antes um imprevisto desvio no caminho
que te levou a ser pai em vez de ser o padre que nunca fui para tornar-me o andarilho sem destino permanente
a não ser o de (entre outras inutilidades) ser poeta com que também cantar teu nome?
Ser padre. Por que eu e não você que tanto se dedicava ultimamente aos evangelhos epístolas e martirológios?
A morte é surda, sei que não me escutas, coração cansado, corpo consumido, agora encerrado e só numa dura casa de pedra
dorme em paz, irmãozinho, dorme teu eterno sossego das labutas diárias e das mágoas e dores de toda a vida.
Agora mesmo me sinto rodeado de tua presença silenciosa e inerte para um último abraço que ficamos devendo um ao outro… até outro dia…
Inconsútil porém é aquele rosto, humanado cilindro silencioso frente ao tempo, e em poesia recomposto. Jorge de Lima: último soneto
i…Que terno como o orvalho!
Mas já dorme para sempre.
Não te conhece tua lembrança muda
porque para sempre estás morto
como todos os mortos da Terra. F. García Lorca: Lamento por Ignacio Sánchez Mejías
ii…assim vivemos e sempre nos despedimos.
E estar morto é penoso e quanta ânsia de recuperar
lentamente a sensação de um pouco de eternidade. R. Maria Rilke: Primeira elegia de Duino