Esse outro de mim!


Estás vendo esse vulto de anjo caído
recém destronado de um céu vazio
mascarado de arcanjo rebelde olhos
em chamas asas rotas mãos de arqueiro
de um reino imerso nas trevas da história
— sou eu mesmo, esse outro de mim!

um dia ao nascer do sol ergueu a cabeça
por sobre as nuvens contra um ser prepotente
criado à sua imagem e semelhança a quem
alguns dão-lhe o nome de criador sem saber
que o criador é cada um de nós, tu, você, um
qualquer — eu mesmo, esse outro de mim!

essa imagem de mil cacos coloridos no caos
do mundo que chamamos virtual, essas falsas
notícias que brilham fugazes cada vez que tua mão
faz um click e abre uma janelinha misteriosa atrás
de uma promessa de falsa felicidade, essa imagem
— sim, sou eu mesmo, esse outro de mim!

sou eu ou esse outro de mim
que me multiplico e te multiplicas
e nos multiplicamos
em mil movimentos insensatos inúteis
em pós de uma meta que se esconde e nunca aparece
como o anjo oculto no céu vazio sem tronos sem glória
sem potestades querubins e serafins
céu vazio céu azul céu de chumbo
céu do nada onde tudo e todos
hemos de desaparecer
pelos séculos dos séculos!


Copyright © by text & music jrBustamante, 2023

do livro “Esse mundo é meu” (inédito)

 

 

 

 

Que vergonha!

Que país é este?
(desculpa, Millôr!)

 

Ultimamente, aqui no estrangeiro,
dá muita vergonha ser brasileiro,
vergonha de ser, não, vergonha
de dizer que sou brasileiro.

Sou brasileiro, digo, e a primeira
reação, embaraçosa, desagradável,
me deixa quase sem fala.

Que tal esse presidente atual
Bolsonaro edicetra e tal fascista
trumpista truculento boçal.

Que se sente ao ver a reação de ódio
que vomitam nas redes sociais e nas ruas
tantos milhões de compatriotas que antes
aclamavam a Lula e agora o renegam.

Sem querer entrar em picantes detalhes
sobre comos e porquês falo de milhões
de analfabetos entre os quais se contam
universitários e gentes de todas as classes.

O Brasil é assim, grande demais para conter
todos os tipos da melhor espécie e também
da pior, como em qualquer outro país do novo
e do velho mundo… quer um exemplo?

A gente me olha ressabiada e resmunga
uma desculpa esfarrapada, é, tem razão,
mas um país tão lindo tão rico com gente
tão maravilhosa e tanta música poesia cultura…
como se explica essa barbaridade
chamada Bolsonaro?

Sigo meu caminho taciturno e quedo.
Que vergonha dizer que sou brasileiro.

© Copyright tex&music – J.R.Bustamante, 2019

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Ausência sempre (Dia dos Pais, no Brasil)

Qué triste se ha vuelto el mundo!
Rosalía de Castro

{a palavra é a lâmina a escopeta a mina
e cada verso um gesto de autodefesa
frente aos golpes baixos da vida}

PAI, que será de mim
neste mundo sem o doce
peso dessa mão suada
sulcada de rugas e veredas
em que tudo se perdeu
ou por fim se há de perder

PAI, onde estás, onde foste
ocultar-te dos meus olhos

Olhar assim da janela fere de morte a frágil pupila
de qualquer criança, sei que é de manhã aí está o sol
o céu e todo esse falso clarão, sei que assim é
e é natural, mas o que vejo e sonho
é sombra e cerração —

PAI, diz que é mentira ilusão de óptica miragem
viagem de volta ao encontro de duas vidas desencontradas…
diz que não, diz que sim, vem, quero tua mão antiga, firme
e não essa ausência sempre…

Ah, eternidade… presença sempre do que foi e sempre será:
princípio e fim, luz e força, suor e sangue, risos e lágrimas, amor e obras,
coração na mão feito presença mesmo quando ausente no tempo…

e muitas vezes, muitas, dias, meses, anos (já são tantos!)
nas aleatórias e peculiares circunstâncias de nossas vidas,
no pouco espaço de tempo em que nos foi dado viver.

Copyright © J. R. Bustamante, 2019

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