Esse outro de mim!


Estás vendo esse vulto de anjo caído
recém destronado de um céu vazio
mascarado de arcanjo rebelde olhos
em chamas asas rotas mãos de arqueiro
de um reino imerso nas trevas da história
— sou eu mesmo, esse outro de mim!

um dia ao nascer do sol ergueu a cabeça
por sobre as nuvens contra um ser prepotente
criado à sua imagem e semelhança a quem
alguns dão-lhe o nome de criador sem saber
que o criador é cada um de nós, tu, você, um
qualquer — eu mesmo, esse outro de mim!

essa imagem de mil cacos coloridos no caos
do mundo que chamamos virtual, essas falsas
notícias que brilham fugazes cada vez que tua mão
faz um click e abre uma janelinha misteriosa atrás
de uma promessa de falsa felicidade, essa imagem
— sim, sou eu mesmo, esse outro de mim!

sou eu ou esse outro de mim
que me multiplico e te multiplicas
e nos multiplicamos
em mil movimentos insensatos inúteis
em pós de uma meta que se esconde e nunca aparece
como o anjo oculto no céu vazio sem tronos sem glória
sem potestades querubins e serafins
céu vazio céu azul céu de chumbo
céu do nada onde tudo e todos
hemos de desaparecer
pelos séculos dos séculos!


Copyright © by text & music jrBustamante, 2023

do livro “Esse mundo é meu” (inédito)

 

 

 

 

ANTES QUE LA PRIMAVERA SE VAYA PARA SIEMPRE… este año.

LA PRIMAVERA
pasada fue el invierno
del alma
(un pequeño infierno)
para quien no sabe

cómo vivir horas muertas
donde solo cabe
(dentro de sus puertas
y ventanas) el amargo
importuno y duro trago
de la soledad

insidioso oscuro
y odioso animal

fuente de angustia y mal-
humor en personas acostumbradas
al jolgorio de las breves compañías
de dudosos amigos en noches pasadas
entre el ruido de copas
y falsas alegrías

y que al volver a casa
han de verse atrapados
en los congelados (a)brazos

de la indiferencia
de la penosa conciencia

de estar irremediablemente
—solos—
en su carente e irremediable
—soledad—

¿de qué nos sirve
una primavera así,
verdad?

 

ESTE AÑO
ya tiene la primavera
los colores habituales
y los mismos rituales
de primaveras pasadas

ya regala sonrisas y abrazos
de adivinado calor
y ansiado cariño
ya permite copas y alegrías
un nuevo amor encuentros
(inesperados)

o lágrimas de duelo
por la ausencia del abuelo

este año tiene la primavera
para oídos y ojos atentos
versos y flores primaverales
aromas flotando en el aire
quizás como nunca los hubo
en primaveras pasadas

versos y flores
de colores más vivos
y más intensas sonoridades

versos y flores
que se desdoblan y se esmeran

en sembrar en los ansiosos
corazones las más anheladas
ilusiones
de felicidad
y de una sospechosa
normalidad

¿no será que este año nos enseña
la primavera su cara más bonita y serena
para decirnos… la vida vale la pena?

del libro “Modulaciones en sol menor

Dia do livro – dia de São Jorge

O dragão e o santo

Et proiectus est draco ille magnus…
Joh, Apoc. 12, 9

Vou dar uma volta por aí e semioculta
atrás de uma enorme trepadeira silvestre
que ninguém sabe quem plantou
topo à esquerda com a estátua:

São Jorge e o dragão subjugado
presos num bloque de granito.

Fico olhando pro santo e torcendo
pro dragão, São Jorge Cavaleiro
morde o beiço enfurecido e arma
o braço, lança em punho. Dos três
o cavalo parece o mais assustado,
os olhos de gude querem saltar
das órbitas pra não ver
o duvidoso desfecho do golpe.

A lança do santo já bem salpicada
de bosta de pardal e de algum pombo
enferruja no ar poluído da cidade.

O dragão bem fresco língua de fora
parece estar se divertindo, sabe que
é estátua e mesmo sob os pés do santo,
penosa imagem de sujeição e derrota,
bicho dragão de sete vidas, famoso
pela velha rivalidade apocalíptica,
sente que no fundo nem São Jorge
pode com ele.

Pode que o crime não compense
mas no fim o bicho sai ganhando.

© by text & music - jrBustamante, 2020
do livro de poemas "entre folha e andorinha"
Category: entre folha e andorinha, Poesia, Português / Portuguese, text&music | Comments Off on Dia do livro – dia de São Jorge