Primavera – Día Mundial de la Poesía

Give me the splendid silent sun with all his beams full-dazzling
Give me to warble spontaneous songs, for my own ears only
Give me solitude
(Walt Whitman, Leaves of Grass)

Aquella tarde… fue ayer, madre…

dolorosamente se incrusta en mi pecho
el color amargo de blancas paredes
en la oscuridad, ay dónde están, madre,
los mayores que se fueron al atardecer
sin considerar mi soledad en esta casa
de puertas al aire, mis hermanos
dormidos en la negrura de la nada

no es hoy cuando empieza la primavera
qué versos voy a poner en la hoja
para celebrar el día de la poesía

madre dijo que volvería para la cena
y sigo esperando sentado en la piedra
de siempre, y papá, a que horas vendrá
a buscarme para irme con él no sé dónde,
aún estará ocupado con las gallinas y
me habrá dejado solo en la sombra
donde soy el único cautivo

ay madre, si pudieras oír como canta
el viento en las ramas de nuevo verdes
de este veintiuno de marzo en este lado
del mundo que no es el nuestro
y ahora es el mío

tanto color, tanta vida, tanto sol
feroz con sus ardientes garras
sobre las olas de la ría que brilla
mansamente, tanto en el invierno
que se despide
como en la primavera
que se anuncia —

© text & music, jrBustamante, 21.03.2022

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Lost Paradise

Longe da Terra tudo parece liberdade
e o túnel que ninguém sabe onde desemboca
envolve-o como um enterrado vivo, é livre
e está sepultado, vive porque sente
a fumaça e a escuridão, mas o fedor
da morte, a putrefação de tudo
é mais forte e avassalador
que o imaginado aroma
das florinhas lá fora…

Entre o céu e o limbo da infância
a gritaria dos passarinhos e o vozerio
do gado, bezerrinho me chama,
Rucinho me acalanta na marcha picada,
busco no fundo da memória a sombra
da minha voz miúda de menino,
e a da mãe, do pai, das crianças e
daquele povo todo que já se foi e
não está em lugar nenhum, o vovô cadê?

O silêncio é a abóbada que cobre
a paisagem verde perdida inalcançável
dos píncaros da Mantiqueira…

© text & music, jrBustamante, 2022

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Peripécias – entre folha e andorinha

Peripécias

Nasci em Minas e a vida é longe,
muito mais do que sonhei.
Pra lá do arco-íris e de ilusões
mirabolantes de um menino que…

Fui aprender regras e doutrinas
dogmas virginais e outros contos,
na volta só faltou fazer um pacto.

Grego antigo e latim clássico, filosofia,
teodiceia e canto gregoriano, noções
de álgebra e cálculo infinitesimal,
noves fora zero. Saber não ocupa lugar
pese à sua possível inutilidade.

Presente em múltiplas transformações
da realidade beijei num arvoredo cúmplice
os peitos virgens de Orídis, causa inocente
de um primeiro delírio de amor, durou
o que dura um fogo de palha, outra tarde
à beira de um rio caudaloso ruidoso e abundante
em ferrosas rochas grises, além de outros
perigos da topografia, mordi com inusitada
gula os lábios de goiaba madura de uma
menina Iara mestiça de índia e sangue
francês, creio. E daí não passou.

Mas o tempo foi passando e na sombra
de um parque da grande metrópole
remexi como em pétalas de papoula
na bunda roliça morena virgem nua
da moça aliás muito sapeca Angélica
de Jesus Moreira e outro sobrenome
que não vem ao caso, logo depois entrei
com mais que veemente tesão no lindo
corpo adolescente de uma tal Florência
das Neves que perdeu a inocência,
não comigo, que já havia perdido
há tempos sendo noiva de um amigo
ensimesmado taciturno e quedo
que ato seguido se atirou de um décimo
terceiro andar em plena sexta feira treze
de agosto de mil novecentos e
mais não lembro.

Conclusão: estudar filosofia, latim
e teologia, algo de química orgânica
e cálculo infinitesimal, dá nisso.
Por não falar do romantismo alemão.

Mas aí já seria outro caso e esta crônica
em tom menor não tem jeito de seguir
modulando por falta de instrumento

meu piano de estimação, triste vítima
de um incêndio diz que provocado
por mor duma traição, hoje não é mais
que cinza e pó que aliás é o que seremos
tu e eu como todo mundo que leia
estas palavras… ou não.

© do livro “entre folha e andorinha“, 2020, by J. R. Bustamante

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