Missa das 10

era um domingo de sol
era a linha do trem
era um correr de casas
do outro lado da estrada
era a Vó apressada pra missa
das dez o moleque atrás
troteando sem querer
eram dois homens no portão
gritando xingando, aí
a pedra voou tum-tum!
sangrando a testa do outro
um grito um tiro no peito
(o resto a memória esqueceu)

o caminho acabou o trem
nunca mais, missa pra quê,
vó Maria sombra séria
se rindo do neto assustado
ara, que bobage!

tinha cisma daquele caminho
(o resto a memória esqueceu)
dorzinha antiga de testemunha
querendo alívio que o tempo
não traz fazendo perguntas
que pendem no ar,
cipó sem raiz…

© by j.r.Bustamante / do livro «Nem ostras nem ostracismo», 2008, Hirschberg, Alemanha, BOD Edition (COLEÇÃO PESSOAL) All rights reserved

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Ser ou parecer

Não sou certeza
nenhuma, minhas
suposições é que são
o que sou.

No que (ser)
me suponho ganha
asas e a leveza
de um vôo de garça
o que restou de meu ser
taciturno

e de assim supor-me
cresce em mim e ao redor
e fundo em mim
o que parece obra
de certeza, sentimento
antigo e profundo
de algo inconsistente
e atroz, um agarrar-se
demente feroz
às aparências da vida.

Minha certeza
é tudo o que está
fora de mim.

© by j.r.Bustamante / do livro «Nem ostras nem ostracismo», 2008, Hirschberg, Alemanha, BOD Edition (COLEÇÃO PESSOAL) All rights reserved

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Filiação

às vezes minha terra é meu pai
às vezes minha terra é minha mãe

meu pai é o cheirinho de capim
cortado e do mato em floração

minha mãe é a terra molhada
dos pingos da chuva no verão

meu pai é aquela peroba ali
copa verde o tronco macho
des’tamanho ó!

a mãe uma jabuticabeira
carregadinha e doce como quê

minha terra —
é mais saudade ou remorso?

só sei que dói por dentro
apertando igual sapato novo
não o pé o joelho a canela
ou a cabeça ou a bunda
e sim a alma o peito de alguém
(com cisma de poeta)
longe da terra
longe da mãe
longe do pai
(ai!)

© by j.r.Bustamante / do livro «Nem ostras nem ostracismo», 2008, Hirschberg, Alemanha, BOD Edition (COLEÇÃO PESSOAL) All rights reserved

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